Esquizofrenia ou Esperança: Resposta ao irmão JULIO SEVERO


Rev. Marcelo Lemos

Batei palmas, todos os povos; aclamai a Deus com voz de júbilo. Porque o Senhor Altíssimo é tremendo; é grande Rei sobre toda a terra. Ele nos sujeitou povos e nações sob os nossos pés” (Salmos 47.1-3).

Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (S. Mateus 5.14-16).

Recentemente, Júlio Severo publicou em seu blog pessoal, e no portal Mídia Sem Máscara, que costumo ler com certa regularidade, um artigo criticando o alinhamento de evangélicos com ideais esquerdistas, e aproveitou para me dar alguns conselhos, e passar um pito. Ele sabe que não sou esquerdista, no entanto, meu nome está na lista do Genizah, e lá escrevem pessoas de diferentes escolas teológicas e políticas, o que para Júlio me faz um aliado do suprassumo da apostasia.

Uma vez que tive que responder sobre sua critica no monstrengo Facebook, nada mais justo que fazê-lo aqui em meu blog, numa resposta um pouco mais formal. Além disso, alguns de meus leitores tem ficado incomodado com esse tema.


Lamentavelmente, há tantos erros no artigo que é difícil saber por onde começar, especialmente devido suas generalizações apressadas sobre “calvinismo” e “calvinistas”, por exemplo. Como não tenho disposição para uma resposta tão longa, vou aproveitar para explicar a grande diferença entre a teologia defendida por Severo e a minha. Desse modo, além de responder a sua critica, não fujo da proposta dos meus escritos. Já expliquei minha teologia a ele em outras oportunidades, mas aqui vai uma resposta e uma explicação mais organizada.

O título deste artigo já anuncia a diferença fundamental. Porque ainda que eu admire muito do trabalho de Júlio Severo em prol da família, a ponto de ser leitor de seu blog, e recomendá-lo constantemente, o fato é que sua teologia padece de uma esquizofrenia patente - eu prefiro uma Teologia da Esperança. Teologia do Domínio também é um nome bom para o que creio. E essa diferença não é apenas jogo de palavras, mas algo basilar e explica estarmos em lados opostos nessa polêmica em torno do Genizah. Severo é um guerreiro pró-família. Contudo, ele luta para defender uma cultura que, sua teologia mesmo admite, já foi derrotada! Mas a minha luta se baseia na esperança da Vitória, e por isso, assumir posições estratégicas é desejável! Tal esperança me diz que a Igreja precisa conquistar espaços, a fim de fazer o Evangelho ser ouvido em todo os lugares. 

O trabalho de Severo é um esforço heroico para alertar os cristãos que a Igreja perdeu a guerra cultural que estamos enfrentando, sua missão pessoal é emparedar-se cada vez mais, e incentivar outros emparedados a manterem firme sua posição; uma isolação tão grande do mundo que, admito, tem seu charme. Mas charme não cura esquizofrenia teológica. Na contramão dessa teologia derrotista, eu tento lutar (não que seja bom em fazê-lo) na esperança de que o sal cumpra seu papel, que é salgar e preservar; batalho na esperança de que da pequena semente de hortaliça crescerá grande árvore e as aves do céu farão ninhos em seus galhos, e que o insignificante fermento levedará “toda a massa”.

Para entender melhor isso é necessário dar uma olhada na perspectiva das escatologias derrotistas para o futuro. Claramente, segundo creem e ensinam, a coisa irá de mal a pior, e os cristãos verdadeiros serão cada vez mais perseguidos, e a cosmovisão cristã cada dia mais irrelevante - até que, algum dia, Cristo os “arrebatará” nas nuvens do céu, e colocará fogo no resto. Vamos salvar o que der, pois o naufrágio é iminente e inevitável” - diz a teologia da derrota. Severo, amante de generalizações, certamente não se ressentirá desse resumo, que apesar de breve, é fiel aos fatos.

Necessário observar que, evidentemente, os pressupostos teológicos que dão fundamento a esse derrotismo escatológico, adotado por apologistas como Severo, não podem ser harmonizados com seu desejo de influenciar a sociedade. Vamos imaginar que a pregação de Júlio Severo saia vitoriosa dessa batalha, ou seja, vamos antever que o Brasil aceite o que ele diz sobre a família cristã, e os postulados esquerdistas sejam então abandonados. Ora, pela própria teologia de Severo, tal coisa não pode acontecer, posto que sua doutrina escatológica estabelece que tudo irá de mal a pior, mais e mais. Tudo que Severo pode esperar é uma tragédia sendo sucedia por outra ainda pior.

Essas escatologias derrotistas, quando aliadas ao desejo de influenciar o mundo a sua volta, são negações de si mesmas. Em outras palavras, estamos falando de teorias escatológicas sem apoio nas Escrituras, e uma militância sem apoio das teorias que adotam! Confuso, não? Pois eles não lutam para influenciar o mundo a sua volta? Claro que fazem! E será que fazem isso com alguma esperança? Na maioria das vezes sim, todavia, não deveriam ter esperança alguma, já que isso contradiz sua própria doutrina a respeito do futuro.

Como já fui dispensacionalista sei muito bem como é conviver em tal confusão mental. Ironicamente, os mais ferrenhos derrotistas escatológicos também lutam com unhas e dentes para mudar o rumo das coisas, fazendo pressão sobre legisladores e formadores de opinião (Severo, Malafaia, Feliciano, etc). Eles querem promover a verdade bíblica na sociedade? Só que isso não tem nada a ver com o que seus livros pessimistas afirmam sobre o futuro, tem muito mais a ver com os concílios de Niceia e Calcedônia, que conduziram o mundo sob a Coroa e a Espada do Cristo!

Felizmente, a esquizofrenia da qual estamos falando parece que já nasceu fadada a morrer por inanição. Cada vez mais, estudantes e pensadores cristãos percebem que não é possível lutar pelo Reino de Deus ao mesmo tempo que entronizam em suas vidas ídolos pagãos, como o laicismo, o humanismo, o socialismo, e a pluralidade cultural (que de 'tolerante' só carregam o nome). Cada vez mais, os cristãos se dão conta que aquilo que desejamos preservar e restaurar foi construído pela Igreja, e não pelos pretensos salvadores que aparecem no horário político, ou pelos heróis dos professores de sociologia e psicologia do ensino médio. Mais e mais cresce o número daqueles que entendem a Igreja como agente do Reino de Cristo no mundo, e que, portanto, a teologia pessimista é também parte do problema.

Por mais que Severo faça um bom trabalho denunciando os ataques contra a família cristã, o fato é que seu pessimismo não contribui em nada para mudar esse cenário. Tudo que sua teologia pode nos dizer que o cenário deve e ficará pior, não por um tempo, mas irremediavelmente. Como escreveu David Chilton, “durante tempo demais os cristãos tem sido caracterizados pelo desespero, pela derrota e pela fuga. Os cristãos tem dado ouvidos a falsa doutrina que diz estarmos condenados ao fracasso, que os cristãos não podem vencer; a ideia que os cristãos, até que Cristo regresse, perderão terreno após terreno para o Inimigo. Nos tem sido dito que o futuro da Igreja será um deslize progressivo até a apostasia”. O trabalho de Júlio nos mostra uma parte do problema, e é bem eficaz nisso, porém, seu trabalho não tem como apresentar qualquer solução adequada, pois para isso precisaria abrir mão de sua própria teologia, que é, em si mesma, a outra parte do mal que nos assola.

E o que o Genizah tem a ver com isso? Tudo e nada.

Vamos começar pela parte do nada. O Genizah não tem nada a ver com minha teologia pessoal. Eu não escrevo a mando de qualquer pessoa. Escrevo, quando posso, e sobre o que quero. O Genizah, se quiser, publica o que escrevo.

Por outro lado, fui convidado a fazer parte do projeto numa proposta de denunciar o que eu vejo de errado na Igreja. E é o que tenho feito, e isso tem tudo a ver com minha militância em prol do Reino. Ali, já escrevi contra abusos de neopentecostais, pentecostais, arminianos, anglicanos, socialistas e arminianos. Não abri mão de qualquer convicção pessoal por causa desse trabalho, tendo, inclusive, amargado a oposição de outras pessoas que formam, ou já formaram, a equipe. Um deles, recentemente, me definiu como “um caso perdido, e uma moderadora do blog me definiu como “absolutamente raso” e “fã intelectual da Rachel Sheherazade”. Esses detalhes – e eu poderia falar de outros episódios - o irmão Júlio desconhece, ou achou que não era importante contar aos seus leitores.

Diz um ditado que até relógio quebrado acerta as horas duas vezes ao dia. Não tendo a mesma precisão de um relógio quebrado, o irmão Júlio quase acerta 'na mosca' quando escreve que, mesmo não concordando com tudo no Genizah, considero valer a pena publicar nele. De fato! Infelizmente, não vale a pena pela “visibilidade”, pois, nem mesmo o Genizah conseguiu me tornar famoso, ou me permitir deixar de trabalhar de Domingo a Domingo (literalmente). Vou torcer para que as denúncias do irmão Júlio contra mim sejam mais produtivas nesse sentido (risos). Mas, sim, vale a pena! E digo mais: valeria apena pregar ao lado do próprio Fidel Castro, marxista-mor dos latinos, se com isso eu não precisasse abrir mão das minhas convicções, e não me fosse tolhido o direito de criticá-lo.

Ele erra feio, porém, quando me acusa de considerar o neopentecostalismo uma heresia mortal pior que o marxismo. Infelizmente, ao que parece, Júlio Severo, apesar do seu heroico trabalho em favor da família cristã, não é muito bom com definições, dando preferencia a generalizações apressadas – muitas vezes atirando no próprio pé. Isso torna o debate raso. Conheço neopentecostais cujo trabalho em prol do Reino é melhor que o de Júlio, e melhor que o meu. Sei de um que investe seus recursos para solidificar uma Universidade genuinamente cristã, formando em seus alunos uma cosmovisão muito positiva sobre o papel da Igreja no mundo. Mas isso é tema para outro bate-papo.

Meu objetivo aqui não é convencer Júlio a apoiar a minha militância. Que continue discordando, se achar que deve. Mas, por honestidade intelectual, quando citar novamente meu nome, deveria listar a maior quantidade de fatos possíveis. Julgue-me pelo que faço, mas não faça isso construindo um boneco de palha. Esmurrar um espantalho qualquer um é capaz, não precisa ser Júlio Severo para isso.

4 comentários :

  1. Graça e paz rev. Marcelo.

    Excelente texto, como todos os demais que sempre leio (ainda que eu não sempre envie comentários meus).

    Já li o blog do Júlio Severo algumas vezes e creio que cheguei a ler algo envolvendo seu nome sim, contudo, nada melhor do que esperar que a própria pessoa se manifeste (se assim o quiser fazer) a favor ou contra.

    Da minha parte, penso igual (mesmo não tendo visão escatológica igual à sua - na verdade, ela ainda não está 100% definida, estou dando tempo ao tempo, lendo, questionando, etc... rsrrs): a Igreja tem seu papel de ser sal e luz, de fazer a diferença. E essa diferença é o que cada um de nós em particular e em sociedade faz. O micro influenciando o macro.

    Nisso meu marido e eu cremos. Nisso nós nos esforçamos diuturnamente, esperançosos de que Quem dá o crescimento é o Senhor da seara.

    Deus continue lhe guardando, abençoando, sua família, ministério e conte conosco nessa luta, não está só! ;)

    A propósito, estamos sentindo sua falta lá no Genizah, de suas matérias, comentários, etc... some não!

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    1. Sua participação aqui, e no Face é sempre muito util, irmã Rilda. Estou trabalhando em dois artigos interessantes, um sobre homossexualismo e outro sobre os judaizantes. Acho que podem ser legais no Genizah.

      Por falar em Genizah, gostei do seu texto sobre a visita das "gospi" a presidente Dilma. Gostaria de publica-lo aqui também.

      Paz e bem!

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    2. Graça e paz rev. Marcelo.

      Vou enviar o texto hoje à noite, assim que chegar em casa. Sabe o quanto aprecio seu blog, e sentir-me-ei honradíssima tendo textos meus sendo aprovados por você e publicados em seu site.

      Conclui os textos, envia, que seguramente vários de nós seguiremos sendo edificados com eles.

      Abraços fraternos.

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    3. Rilda, paz e bem!

      Obrigado por enviar seu texto, fico no aguardo.

      O texto sobre os judaizantes está praticamente pronto, vou revisar e mandar. Já pensando em escrever a um bom tempo sobre isso, acho que já pela segunda ou terceira vez. Mas, nunca é demais voltar ao tema, já que as coisas pioram dia a dia, infelizmente. Mas, lutamos! As portas do inferno não prevalecerão!

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