Preterismo: Breve Introdução

 Por Marcelo Lemos, editor


O texto que se segue foi extraído de trecho de um debate sobre Escatologia no Orkut. A pergunta feita no tópico era: “Como Será o Fim dos Tempos?”. Neste artigo, selecionamos uma das nossas primeiras intervenções no debate, a qual permite ter uma idéia de como se apresenta a visão preterista sobre a interpretação profética.


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Obrigado por suas palavras, irmão Neto; são de grande motivação. Numa era onde exercer a arte de pensar é quase um crime, é gratificante encontrar pessoas que não apenas consomem, mas fazem teologia; são como os irmãos de Beréia.


Demorei a postar devido às festas de fim de ano; espero que tenham tido um bom Natal e uma boa passagem de ano.


Admito que minha minhas palavras iniciais foram vagas; minha intenção não foi expor o assunto, mas apenas me posicionar com uma resposta direta a pergunta feita no tópico. Minha postura não foi por não estar aberto à discussão bíblica e teológica do tema.


Quanto ao assunto, como podemos ver, é bem vasto; não nos sendo possível abordá-lo integralmente de uma única tacada.  Milênio; Tribulação; Parusía; Anticristo; Arrebatamento… – todos estes [e outros] conceitos teológicos reclamam nossa atenção a partir do primeiro passo que damos no campo da Escatologia Bíblica.


Sem a pretensão de expor todo o assunto tentarei responder algumas questões que você levanta com base no que postei inicialmente.


Uma de suas questões é se eu acredito que TODO o Apocalipse de S. João já se cumpriu. Na pergunta o irmão cita textualmente ‘taças, selos, Jerusalém Celestial, Milênio’.


A isto eu respondo dizendo que “quase tudo já se realizou”: acredito [como sendo ainda futuros] num retorno final de Cristo para estabelecer o Estado Eterno, e que o Milênio deve ser compreendido como uma realidade presente, tanto para a Igreja Primitiva, quanto para nós hoje. Cristo reina.


Você também me pergunta sobre qual seria a base hermenêutica que uso para apoiar a minha visão do Apocalipse de S. João.


Relembrando: a minha visão sobre o Apocalipse reconhece que a obra trata-se, simplesmente, de uma mensagem de Esperança entregue por Jesus a fim de que fosse consolação à Igreja, e não um quebra-cabeça sobre o futuro, que precisa ser montado pelos crentes.


Mas, que base hermenêutica eu uso para sustentar isso? Simples: atenho-me à regra áurea da interpretação bíblica; a saber, a Bíblia interpreta a própria Bíblia!


Atendo-me a esta irrefutável base hermenêutica eu posso afirmar, com certeza absoluta, que o Apocalipse de S. João é a mensagem enviada por Jesus a uma Igreja em dias de perseguição, pois isso é declarado no próprio texto, seja textualmente, seja por meio de simbolismos.


Ao introduzir sua visão, João dá o tom de toda a obra, tom que será acompanhado em todo o corpo de seu trabalho; portanto, deve ser respeitado! Estou certo de que o irmão aceita como válida a pressuposição de que para interpretar um livro da Bíblia faz necessário ter em mente o objetivo de seu autor.
“Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo; o qual testificou da palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo, e de tudo o que tem visto. Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo!” (Rev. 1.1-3).
“Olhem! Vem com as nuvens, e todo olho o verá, até os mesmos que o transpassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Amém! (…) Escreve as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de acontecer” (1.7,19) – “Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória… Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam!” (Mateus 24.30,34).
“Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra! Eis que venho sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”.(3.10).
Enfim, o livro contém diversas referências deste tipo, o que nos força a admitir que a mensagem referia-se a eles [suas necessidades e esperanças]; a menos, é claro, que alguém acredite que não entendiam nada do que lhes era dito; E NEM O QUE PREGAVAM; ou seja, interpretavam para eles, quando não era para eles. De modo que eles tinham uma falsa esperança: ver aquilo que, na verdade, não veriam - mesmo tendo todo o colégio apostólico a lhes garantir que VERIAM.


“Irmãos perseguidos” – diz João; “Contemplem! Jesus vem nas nuvens do céu para retribuir o mal de seus perseguidores; contudo, vocês serão guardados pelo Senhor!”.


Vir “nas nuvens” é uma figura de linguagem usada no Antigo Testamento como emblema do julgamento divino ao longo da história: Isaías 19.1; Joel 2.1,2; Naum 1.1-15; Salmos 97.2-5; Salmos 18.7-15.
No Novo Testamento a figura das “nuvens” é usada em referencia ao juízo sobre os judeus, e a inauguração do Reino de Cristo: “Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu!” (Mateus 26.64). Isso se deu em cumprimento do AT: “Eu estava olhando nas minhas visões de noite, e eis que vinha nas nuvens do céu um semelhante ao filho do homem; e dirigiu-se ao ancião de dias, e o fizeram chegar até ele. E foi lhe dado o domínio, e a honra, e o reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e seu reino tal, que não será destruído!” (Daniel 7.13,14; Daniel 2.44-45; Mateus 16.18; Hebreus 12.28; Apocalipse 11.15; 14.6-8 ).


A Revelação do Apocalipse é uma realidade presente na história da Igreja, incluso o Milênio. Jesus nos diz que o Reino já era chegado (Mateus 3.2; 4.2), e que sua culminação se daria de forma lenta, gradativa, feito uma pequena semente lançada no solo: “E dizia: A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? É como um grão de mostarda, que, quando se semeia na terra, é a menor de todas as sementes que há na terra; mas, tendo sido semeado, cresce; e faz-se a maior de todas as hortaliças, e cria grandes ramos, de tal maneira que as aves do céu podem aninhar-se debaixo da sua sombra” Marcos 4.30-32. Então, trata-se de uma realidade passada, presente e futura. Cristo Reina e sua Igreja é agente deste Reino entre os homens.


Em resumo, esta é a minha base hermenêutica na interpretação do Apocalipse: Escritura interpreta Escritura; com acima busquei demonstrar.


O irmão também me questiona quanto ao significado do termo GERAÇÃO em Mateus 24.
Uma das provas mais cabais de que a Tribulação já aconteceu é o fato de que o próprio Senhor Jesus Cristo limitou o tempo se seu cumprimento: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam!” (Mateus 24.34).


O irmão alega que eu preciso demonstrar qual o significado do temo “geração” para que, só então, eu possa validar o meu posicionamento. Com todo respeito, isso não procede! Na realidade, quem precisa provar algum significado alternativo para o termo “geração” é o dispensacionalismo, e não eu!


O que eu tenho como dever é interpretar o versículo a luz de seu contexto imediato e de seu contexto bíblico; e quanto assim procedo nada parece haver contra o entendimento óbvio da passagem.


VEJA O CONTEXTO IMEDIATO – Jesus está a falar aos seus discípulos, e usa uma linguagem que os colocam como personagens dos eventos preditos:
“E Jesus, respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém vos engane… E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai e não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim… Então vos hão de entregar para serdes atormentados, e matar-vos-ão; e sereis odiados de todas as nações por causa do meu nome… Quando, pois, virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, atenda; então, os que estiverem na Judéia, fujam para os montes; e quem estiver sobre o telhado não desça a tirar alguma coisa de sua casa; e quem estiver no campo não volte atrás a buscar as suas vestes… E orai para que a vossa fuga não aconteça no inverno nem no sábadoEntão, se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito… Igualmente, quando virdes todas estas coisas, sabei que ele está próximo, às portas.  Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam!
Para os crentes, a mensagem é de esperança, já para os judeus incrédulos… Por isso, um pouco antes de dar tantos detalhes sobre a futura destruição de Jerusalém, o Senhor Jesus faz um prelúdio interessantíssimo sobre o assunto: “Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre esta geração. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste! Eis que a vossa casa vai ficar-vos deserta; porque eu vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor!”(Mateus 23.35-39).


VEJA O CONTEXTO GERAL DAS ESCRITURAS – sobre este assunto:


O amado irmão Lucas realizou uma pesquisa sobre o que Jesus tinha dito e feito junto a seus discípulos e nos deu a seguinte narrativa sobre este mesmo discurso de Cristo: “Quanto a estas coisas que vedes, dias virão em que não se deixará pedra sobre pedra, que não seja derrubada… E perguntaram-lhe, dizendo: Mestre, quando serão, pois, estas coisas? E que sinal haverá quando isto estiver para acontecer? (…) E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e grande glória. Ora, quando estas coisas começarem a acontecer, olhai para cima e levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima” (Lucas 21.27,28).


E também, falando da perseguição terrível que estes dias trariam sobre os cristãos primitivos, o Senhor Jesus os consola dizendo: “Quando, pois vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra; porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades de Israel sem que venha o Filho do homem!” (Mateus 10.23).


E se isso não for o suficiente, creio que as seguintes referências encerram a questão: “Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino!” (Mateus 16.28).


“Em verdade vos digo que, dos que aqui estão alguns há que não provarão a morte sem que vejam chegado o reino de Deus com poder!” (Marcos 9.1).
“Em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte até que vejam o reino de Deus!” (Lucas 9.27).
Portanto, é o dispensacionalismo, reafirmo, quem precisa correr atrás de uma definição alternativa para o ‘esta geração’ utilizado por Jesus.


Outra alegação sua, sobre a matéria, é que eu estaria sustentando minha tese mesmo Jesus “dizendo que seria futura”.


Creio que não preciso de muito espaço para refutar isso. Em primeiro lugar, Jesus declara textualmente que a Grande Tribulação se daria “nesta geração”; como já demonstrei acima.


Em segundo lugar, é óbvio que ao profetizar o evento Jesus se referia ao mesmo como sendo futuro; do contrário não seria uma “profecia”, não é mesmo? Seria futura em relação à profecia (isso é óbvio!), mas seria durante os dias daquela geração que o havia rejeitado. O juízo estava vindo contra eles!


Uma outra questão que o irmão me propõe é se minha hermenêutica não estaria com ‘resquícios’ da “interpretação espiritualista”.


A minha hermenêutica se vale dos princípios fundamentais que, teoricamente , são assumidos por todos os teólogos evangélicos/reformados: a Escritura interpreta-se a si mesma!


Em seu [recomendado!] livro Hermenêutica, o irmão E. Lund diz que a
“Regra Fundamental” desta ciência é: “E a ninguém deve parecer estranho que insistamos em que a primeira e fundamental regra da correta interpretação bíblica deve ser a já indicada, a saber: A Escritura explicada pela Escritura , ou seja: a Bíblia, sua própria intérprete”os grifos são do próprio autor.
Este é o fundamento da hermenêutica, que por sua vez, se baseia no método de exegese chamado “METODO GRAMÁTICO-HISTÓRICO”.


Um teólogo reformado, Dr. Gerg L. Bahnsen, assim explica:
A Escritura é interpretada corretamente somente quando interpretada de acordo com a sua letra (“literalmente”) no sentido normal, histórico e gramatical, levando em consideração o gênero literário de um texto (se figurado ou não, etc.) e o intento do autor (como determinado semanticamente, e pelos contextos literários locais e mais amplos)”.
Ou seja, se um texto bíblico é uma poesia, deve ser interpretado como poesia; se for uma narrativa, deve ser interpretada como narrativa; em se tratando de simbologia, deve ser interpretado como simbológica; e quando for uma parábola, deve ser interpretado como parábola.


O livro da Revelação, por exemplo, é repleta de simbolismos extraídos diretamente do Antigo Testamento; consequentemente nos valemos destes dois pilares da interpretação bíblica: a) Bíblia interpreta a Bíblia; b) Método Gramático-Histórico.


Nas questões referentes às 70 Semanas de Daniel, o irmão diz: “Como assim violação? Apenas faço uma interpretação literal, coisa que o amilenista têm de fugir, para não ter uma doutrina com um furo enorme!”.


Bem, eu não sou amilenista, de modo que vou me abster de defendê-lo. No entanto, eu conheço um ENORME FURO na interpretação dispensacionalista: o nome deste furo é “interrupção do relógio profético”!


Um dispensacionalista escreve:
“Dn 9:25-27 profetizou 70 semanas para Israel. Na 69a., Israel rejeitou e crucificou seu Senhor, por isso a “fita” de Israel foi interrompida e acionada a da Igreja. Completada esta, será reacionada a fita de Israel, para cumprir-se a 70a. semana, a Grande Tribulação… “[Fonte: solascriptura-tt.org].
Amado, isso é que é ter um baita furo na teologia! A dimensão do furo é tão grande, que o dispensacionalista Lawrence Olson, ao comentar a cronologia das Setenta Semanas diz:
Temos esperado por dezenove séculos para o início deste último período de 7 anos de profecia. Agora que Israel esta novamente na posse de sua terra, parece iminente a realização desta “semana” que ainda está faltando!”– O Plano Divino Através dos Séculos ; Editora CPAD – os grifos são meus.
Todavia, se agente acompanha o desenrolar natural do que é predito nas 70 Semanas de Daniel, encontraremos que literalmente a mesma se realiza em até no máximo alguns anos após a morte do Senhor Jesus Cristo. No máximo! Na profecia encontramos uma ordem precisa de reinos futuros, o nascimento do Messias, sua Morte, a Destruição de Jerusalém:
“Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações. E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador!” – Daniel 9.24-27.
Ora, como os dispensacionalistas se recusam teimosamente a admitir o fato de que tudo isso se cumpriu na Destruição de Jerusalém, eles criaram uma milaborante teoria: o relógio profético de Deus para Israel parou; isto é, depois que Jesus morreu, Deus parou o tempo para Israel – e então, eles tornam a Destruição de Jerusalém aqui predita algo localizado em qualquer lugar incerto no futuro!!!


Evidentemente, você pode chamar [teimosamente] a teoria acima de “interpretação literal” e acusar a minha de “espiritualismo”; mas só vejo uma coisa nessa teoria: malabarismo exegético! Pura ficção…


De modo que reafirmo o que disse anteriormente: trata-se de uma violação do contexto das Escrituras!
Ainda teremos muito que falar sobre nossos pontos de vista concernentes a tais questões. Fica aqui a minha primeira análise bíblica das mesmas, para a consideração e correção dos irmãos interessados no assunto. Minha oração é que possamos fazer tudo isso em amor.


Concluo dizendo aos que se sentem incapazes de entender a Escatologia Bíblica: analisem cada ponto, cada questão, e espero que lancem fora toda essa bagagem “ficcional” e “teórica” sobre o tema; quando aceitamos o contexto simples dos textos a coisa se torna compreensível – mesmo que tenhamos de abrir mão de conceitos que nos pareciam tão certos e valiosos.


Graça e Paz.

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